sábado, 20 de setembro de 2008

A negação da falta

O Inconsciente estruturado como Linguagem in: A negação da falta.
Por
Emanuela Fernandes e Josy Sales Vieira


Propusemo-nos a trabalhar aqui os conceitos de Lacan no que diz respeito ao Inconsciente estruturado como linguagem. Para mim, quando falo em linguagem, logo me vem à mente o ilustre João Guimarães Rosa, com seu Sagarana e seu Grande Sertão: Veredas. Neles encontramos, pelo menos ao meu ver, a expressão máxima da linguagem. Ele realiza uma verdadeira recriação da linguagem, redimensionando o léxico e ultrapassando os limites do mero regionalismo. A linguagem rosiana é a um só tempo regional e universal, presente e atemporal, popular e erudita. A linguagem do sertanejo, do homem da terra, que expressa através de suas palavras tudo aquilo que sua alma está cheia.
Assim, no discurso cada palavra se encadeia à outra já que duas palavras não podem ser pronunciadas ao mesmo tempo; produzindo uma cadeia de palavras, uma cadeia de significados. Chamamos Sintagma estas combinações de palavras encadeadas na linearidade da fala. Aqui o valor de um termo está na oposição ao termo anterior, ao posterior ou aos dois.
A estrutura como a relação de elementos adquire sentido pela sua posição em relação a uma falta. Para a psicanálise essa falta é produzida pela castração, como manifestação da lei contra o incesto, entendendo a castração como a operação simbólica que produz a perda de um objeto imaginário.
Segundo F. de Saussure (apud LEITE(1992)), “a linguagem é um sistema histórico com os seus aspectos social e individual indissociáveis.” Nos propõe que tomemos a língua como uma parte essencial da linguagem. Apresenta a língua como uma totalidade e um princípio de classificação, passiva. Produto social da linguagem e conjunto de convenções acordadas socialmente que possibilita o uso individual, ou a sua execução que é a fala.” A fala, sendo individual, precisa, para exteriorizar um pensamento, o uso do código da língua e os mecanismos psicofísicos que a fazem possível, ativa. Há língua porque há sujeitos falantes. Saussure define o signo lingüístico como a associação psíquica de um conceito, que chamará significado, com uma imagem acústica, que chamará significante.
A palavra é, portanto, presença e ausência da coisa. Ela designa a coisa e a coloca em "em si", na sua ordem de realidade.
Lacan vem e inverte o que Saussure pensa sobre a linguagem, que se dava por essa relação entre o significado e o significante. Para ele, a supremacia é do significante, havendo assim não uma relação entre esses dois elementos mas sim uma cisão, um abismo; daí a idéia de relação, onde um significante faz relação com outro significante formando uma rede, como pensou também Foucault.
Nosso psiquismo possui três instâncias: o Imaginário, que se dá pela imagem, onde há o Eu, a identidade, marcando o desenho do ser, na relação euàoutro; o Simbólico, que é a linguagem, onde está o sujeito, que é dividido, não sendo somente do consciente, mas do consciente /inconsciente; e o Real, onde está o indizível, o enigma, podendo ser entendido como a pulsão de morte! O desejo do homem é o desejo do Outro. Há uma primazia do Imaginário sobre o Real na medida em que o eu se forma a partir do outro e que não existe nada preestabelecido nas funções do sujeito que seja anterior á sua formação a partir do Outro.
Lacan trabalhou também a idéia de tempo lógico. Para ele todo processo psíquico é tripartido, ou seja, possui três momentos. O primeiro é o Instante de ver, o segundo o Tempo de compreender e o terceiro o Momento de Concluir.
Assim, em seus estudos, Lacan dá um salto da matemática à lingüística. Dizendo, então, que o Outro é “o lugar do tesouro do significante, o que não quer dizer do código define o Outro como sendo, para o sujeito, “o lugar de onde pode ser colocado, para ele, a questão de sua existência”, isto é: de sua sexualidade e de seu desejo, de sua procriação e de sua filiação, de sua existência e de sua morte, do destino que terá sido o seu.
Lacan foi um grande intérprete da doutrina freudiana, fazendo sua leitura não para ultrapassá-la ou conservá-la, mas com o objetivo, ele mesmo confessou, de “retornar literalmente aos textos de Freud”.


LEITE, Márcio Peter de Souza. O inconsciente estruturado como Linguagem in: A negação da falta. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992.